VOTO Nº 12/5618
Apelação Nº 0133683-47.2011.8.26.0100
Comarca: São Paulo
Juiz(a) de 1ª Instância: Rogério
Marrone de Castro Sampaio
Apelante: Omint Serviços de Saúde
Ltda.
Apelado: Andrea Lucia de Melo Blau
PLANO DE SAÚDE. Obrigação de fazer e indenização por dano
moral - Prótese mamaria - Alegação da autora de previsão contratual, porque
reparadora; a ré argumenta ser a cirurgia meramente estética, sem previsão no
contrato. Sentenciamento no estado da lide - Preliminar de cerceamento de
defesa acolhida - Questão de fato e de direito a demandar dilação probatória -
Recurso provido para esse fim - Sentença cassada.
Cuida-se de ação condenatória ao
cumprimento de
obrigação de fazer, visando compelir a
ré autorizar parte do custeio de
intervenção cirúrgica complementar ao
tratamento de obesidade
mórbida, visando a retirada de tecido
excedente e mamoplastia com
inclusão de prótese de silicone.
Suscintamente, alega a autora, que foi
submetida à
cirurgia bariátrica em 30.07.2007,
perdendo cerca de 47 quilos. Em
2009 aderiu ao plano de saúde da ré.
Em 2011, o médico que fez a sua
cirurgia bariátrica, atestou ser
necessária a realização de cirurgias
plásticas em razão do excesso de pele
(fls. 54).
Afirma a autora que a ré autorizou a
cirurgia de
abdominoplastia, por entender ser
reparadora, mas não autorizou a
realização da mamoplastia com implante
de próteses de silicone, por
entender ser a mesma cirurgia
meramente estética, mas que realizou
todo o procedimento cirúrgico indicado
pelo médico, e o Hospital vem
cobrando, em seu nome, o valor de R$
9.208,50.
A antecipação de tutela foi concedida
(fls. 62/64);
dessa decisão foi interposto Agravo de
Instrumento (fls. 216/217),
julgado por esta Câmara, em Acórdão
assim ementado:
“Plano de saúde Cirurgia plástica
reparadora complementar
à bariátrica já realizada Resistência
do plano com a
cobertura de mamoplastia com implante
de próteses de
silicone Paciente que fez a cirurgia e
agora pleiteia o
reembolso por parte do plano -
Deferimento da tutela
antecipada Ausência de urgência ou de
perigo de dano à
saúde da agravante Recurso provido
afim de que cesse a
liminar concedida”.
A sentença de fls. 258/265, julgou
parcialmente
procedente a ação, condenando a ré a
arcar com as despesas do
tratamento cuja cobertura foi glosada
(mamoplastia com prótese de
silicone).
Apela a ré (fls. 268/281), sustentando
a necessidade
de reforma da sentença, porque havia
pedido expresso de produção de
prova, ignorado pelo magistrado,
evidenciando o cerceamento de
defesa. No mérito alega ausência de
previsão contratual e legal para
custeio de tratamento estético
(mamoplastia com próteses de silicone) e
que autorizou a cirurgia de
abdominoplastia, porque é um procedimento
que conta no Rol da ANS; mas que a
mamoplastia não se encaixa na
exigência posta na referida norma da
ANS. Arguiu equívoco na forma
fixada para a verba de sucumbência,
que deve ser recíproca, porque
afastou a pretensão da autora de
indenização por danos morais e, por
fim, prequestiona os artigos que podem
ser violados, caso a sua
pretensão não seja acolhida.
O recurso foi preparado (fls. 282),
recebido (fls. 283)
e respondido (fls. 285/292).
É o relatório.
Anoto a prioridade de julgamento,
diante da recomendação do Órgão Especial, lançada no processo nº 95.594/2011 Comissão
de Organização Judiciária (recebida em 15/03/2012).
A sentença fundamentou a sua decisão,
nos seguintes termos:
“Trata-se de matéria de direito e de
fato, sendo suficiente a
prova documental já produzida. Toma-se
por incontroverso a
existência de contrato de seguro saúde
celebrado entre as
partes, bem como a necessidade da
autora de se submeter a
intervenção cirúrgica, essencial à
complementação do
tratamento de obesidade mórbida,
patologia essa com
cobertura prevista contratualmente.
Discute-se, outrossim, a
recusa da ré em custear parte da
referida intervenção cirúrgica,
ao argumento de que a mamoplastia com
inclusão de prótese
de silicone, por se tratar de
intervenção de natureza estética,
não teria cobertura prevista
contratualmente. Parte-se, aqui, de
manifesta relação de consumo travada
entre as partes,
assumindo a ré, porque prestadora de
serviços, a posição de
fornecedora e a autora, destinatária
final deles, a de
consumidora. Isso, por consequência,
faz militar em favor
desta última todos os princípios
norteadores do Código de
Proteção ao Consumidor, protegendo-o,
assim, de cláusulas
contratuais abusivas impostas pela
fornecedora e que venham
a acarretar o desequilíbrio
contratual, notadamente aquelas
que "estabeleçam obrigações
consideradas iníquas, abusivas,
que coloquem o consumidor em
desvantagem exagerada, ou
sejam incompatíveis com a boa-fé ou a
equidade" (artigo 51,
IV). Além disso, classificando-se o
contrato de seguro saúde
como típico contrato de adesão, a
interpretação de suas
cláusulas se faz em benefício de quem
adere, ou seja, do
consumidor. Acrescente-se, a isso, o
fato de que, diante da
atual realidade brasileira, vê-se a
população diante da
necessidade em aderir a planos de
saúde para a obtenção de
serviços médico-hospitalares ao menos
satisfatórios, já que,
como é cediço, longe está o Estado de
garantir ao cidadão tais
serviços, em que pese ser essa uma de
suas funções essenciais
e prioritárias. Em tal contexto, é
possível concluir pela
inexistência de razão plausível a
justificar a recusa da ré em
autorizar o custeio integral da
intervenção acima destacada, na
parte referente à mamaplastia com
inclusão de silicone, já que
custeado a dermolopectomia abdominal.
Não se desconhece,
dada a natureza desse contrato, a
viabilidade de serem
avençadas cláusulas excludentes de
cobertura. É razoável que
os riscos cobertos contratualmente
guardem relação
matemática com o valor do prêmio
cobrado pelos segurados
aderentes. No entanto, não convenceu a
demandada em
demonstrar que o tipo de tratamento de
que necessitou a
autora amolda-se a uma das excludentes
de cobertura previstas
contratualmente, ao menos segundo a
melhor interpretação
que o texto deve comportar. Com
efeito, ainda que não
incluído no rol de procedimentos que
constitui referência
básica para cobertura assistencial nos
planos privados de
assistência saúde, editado pela ANS, o
certo é que o mesmo
fora prescrito por médico, cuja
idoneidade não foi objeto de
questionamento. Daí concluir ser
essencial à complementação
do tratamento de saúde necessitado
pela autora para
enfrentamento de obesidade mórbida,
cuja cobertura, frise-se,
vem prevista contratualmente, fato que
não foi objeto de
discussão. Não bastasse isso, há que
se levar em conta o
princípio da boa-fé objetiva que deve
imperar, como regra de
conduta, entre os contratantes. Ora,
tem-se por inegável que,
quando da celebração do contrato,
gerou a ré fundada
expectativa na mente da autora quanto
à ampla cobertura das
despesas de tratamento médico que se
fizessem necessárias
durante a execução do contrato. É de
se esperar dela, portanto,
comportamento compatível com tal
postura, não lhe sendo
lícito escudar-se em cláusula contratual
que genericamente
introduz excludentes de cobertura para
desequilibrar a relação
que inicialmente se estabeleceu entre
os contratantes. De outro
lado, adotada a tese restritiva de
cobertura veiculada pela
demandada, ficaria o segurado privado
de assistência médica
completa para corrigir patologia de
cobertura prevista
contratualmente, deixando-o à margem
da evolução técnica
suportada pela medicina. Isso
demandaria a celebração de
novo pacto, sempre que adotada técnica
mais apurada ou
alterada a denominação de certo
tratamento, excluindo-o do
rol de procedimentos previstos pela
agência reguladora. Nem
se argumente, ainda, com o caráter
meramente estético da
intervenção a que se sujeitou a
autora. Ora, também emerge da
prescrição médica que a mamaplastia
com prótese de silicone,
à semelhança da dermolipectomia
abdominal consiste em
complementação necessária à total
recuperação de anterior
cirurgia corretiva de obesidade
mórbida, cuja cobertura não
mais se põe em dúvida. Em suma, para
adequação do corpo à
sensível perda de peso, fazem-se
necessárias
complementações tendentes a
preservação da incolumidade
física e mental do paciente. Não se
trata, pois, de mero
expediente embelezador. Por último,
não merece acolhida o
pedido de indenização por danos morais.
Com efeito, não se
pode deduzir tenha a autora sofrido
constrangimento, ao
menos a ponto de caracterizar dano
moral indenizável, diante
da simples recusa de cobertura
manifestada pela ré. Frise-se
que, a cirurgia foi feita sem maiores
intercorrências, sendo
certo que a paciente apenas está se
sujeitando à cobrança pelo
prestador do serviço da remuneração
correspondente à parte
do serviço glosado. Quanto a esse
aspecto, há que se proceder
com cautela na valoração dos
sentimentos experimentados
pela vítima, evitando-se, assim, o
denominado processo de
industrialização do dano moral. Como
ensina Sérgio Cavalieri
Filho, “só deve ser reputado como dano
moral a dor, vexame,
sofrimento ou humilhação que, fugindo
à normalidade,
interfira intensamente no comportamento
psicológico do
indivíduo, causando-lhe aflições,
angústia e desequilíbrio em
seu bem-estar” (Programa de
Responsabilidade Civil, 2ª ed.,
2ª tiragem, 1999, Malheiros Editores,
p. 76). Em suma, diante
do quadro retratado, tem-se como
tolerável o aborrecimento
vivenciado pela autora”.
O que se discute vem centrado, tão só,
a quem cabe a
responsabilidade de arcar com o custo
da mamoplastia e implante respectivo.
Se a cirurgia é reparadora, tese
defendida pela apelada, ou estética e sem cobertura, no entendimento da
apelante, necessária seria, para que fosse alcançado esclarecimento da questão,
a dilação probatória.
A irresignação da apelante com o
sentenciamento do
processo, no estado da lide, vem na
alegação de que não lhe foi dada a
oportunidade de provar o que defendeu
no processo, que a cirurgia
tinha caráter estético. Atendendo ao
despacho de fl. 235, ocasião em
que o Juízo determinou que as partes
especificassem provas, houve
dispensa por parte da apelada (fls.
237), mas a apelante as especificou
(fls.246/247): expedição de ofício
para a vinda aos autos do prontuário
médico da apelada e, posteriormente,
se o caso, a realização de perícia.
Entretanto, a sentença recorrida
julgou o processo no estado da lide. Verifico assim, a ocorrência do alegado
cerceamento da defesa, as alegações da ré necessitavam da dilação probatória;
questão de fato e de direito.
Então, melhor será que seja produzida
a prova
requerida pela ré, quando se
esclarecerá, convenientemente, a questão
de fato; se devido ou não.
Dou provimento ao recurso para,
entendendo que
houve cerceamento de defesa alegado
pela apelante, cassar a r. sentença
recorrida para a produção da prova por
ela requerida.
Recurso provido, nos termos do voto.
MIGUEL BRANDI
Relator
Fonte: TJSP
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